quarta-feira, 4 de maio de 2011

Memórias de embornal: minhas raízes me dão asas. Teatro do Oprimido no ES


Por: William Berger
Ator. Assistente Social (UFES). Multiplicador do Teatro do Oprimido (CTO). Mestrando em Serviço Social (PUC-Rio)

10.04.2011

Mais uma vez piso o solo de onde saí, meu espaço vital, lugar do abraço maternal por toda a raiz.

Tenho asas de aves migratórias
Jamais se cansam de abraçar o infinito
Tenho raízes de mangueiras em flor
No fundo, no fundo o que me alimenta é o amor.

Estou a caminho de Afonso Claúdio, interior do estado do ES, para realizar com jovens pomeranos uma oficina de Teatro do Oprimido num centro de formação de lideranças comunitárias (Associação Diaconal Luterana), onde estudei na adolescência. Mala pesada, embornal cheio. Na boca, o gosto doce do mel. Minha mãe  e minha madrinha me esperavam anciosamente na capital. Lágrimas e riso reencontro após quase um ano.

Agora chove e a estrada é recheada de lembranças, cheiros, cores, imagens, sons, palavras, memórias de embornal.

Carrego sempre um embornal de pano (não me acostumei aos "estéticos" sintéticos). Meu avô tinha um parecido, feito, porém, de couro duro de vaca, ainda com pelo preto e manchas brancas. Para quê dizer isso quando a objetividade nos clama ao mundo simbólico? Por que dar ouvidos a esse sensível planeta de sensações que é meu corpo e suas memórias? Recordo o exemplo de Boal. Lembro-me de suas palavras em "Hamlet e o filho do Padeiro". Em minha mente se opera agora uma sinestesia gostosa. É como se pudesse voltar no passado e fazer uma intervenção. Sem dúvida, multiplicar Teatro do Oprimido no lugar onde foram plantadas nossas raízes pela primeira vez é terapêutico.

E o caminho se refaz . . .

No caminho matas e montanhas. O eucalipto e as monoculturas também invadem e destróem a região serrana do meu estado, assim como o norte onde vivem os indígenas Tupiniquim e Guarani-Mbyá. Foram nessas serras que vindos da Pomerânia, região entre a Polônia e a Alemanha Oriental, que se instalaram meus ancestrais em fins do século XIX e início do século XX. Trouxeram junto uma territorialidade de busca pela paz. Fugidos do nazismo, muitos pomeranos escaparam dos campos de concentração vindo para as serras do ES. Os descendentes ainda falam a língua e mantém costumes desde quando aqui chegaram nossos ancestrais.

Minhas raízes me dão asas


Só agora é que compreendo o verdadeiro significado das raízes e das asas em minha vida. Nessa segunda semana de abril de 2011, após os seminários Raízes e Asas I e II de Bárbara Santos retornei ao meu lugar de origem. 

Havia ministrado uma oficina de TO em 2009. Qual não foi minha surpresa ao chegar à Instituição e descobrir que as sementes germinaram, criaram raízes fortes que buscam o alimento ético e solidário.

A Instituição (Associação Diaconal Luterana) colocou o Teatro do Oprimido como conteúdo programático da disciplina "Corpo e Expressão" por desejo e cobrança dos próprios alunos do 3° ano que fizeram a oficina em 2009. Quem coordena é o praticante de TO, o professor  Alex R. Braum, filho da terra que associou-se ao NUPRATO (Núcleo de Praticantes de Teatro do Oprimido do ES).

Na oficina pude aplicar com o grupo jogos e exercícios que ainda não haviam praticado, fruto dos seminários e cursos que pude fazer nesse começo de ano no CTO (Centro de Teatro do Oprimido).

O resultado foram duas cenas de Teatro Fórum nos 3 dias de oficina. Os temas: opressões internas da convivência, um jovem que desrespeita o espaço dos outros. A outra, uma jovem pomerana  que se vê pressionada pelas amigas a perder a virgindade em uma festa. O faz de forma violenta, alcoolizada, numa situação onde o agressor viu-se no "direito" de estuprá-la. Fizemos o Fórum com mais de 70 jovens na plateia e o resultado foi espetacular, pois para a maioria era a primeitra vez que presenciavam, uma forma de teatro onde na plateia eram mais que seres passivos: Espect (atores). O grupo continua a apresentar a cena na localidade.

O conflito é real e o tema urgente. Fortalece-se  a consciência e a tomada de atitude: o desejo e a necessidade de relações sadias e construtivas, como jovens, artistas e futuras lideranças comunitárias.

Sigo meu caminho agora rumo às aldeias Tupiniquim e Guarani-Mbyá no norte do ES. Novos desafios. A multiplicação: espalhar sementes por terras devastadas pelo eucalipto, a monocultura e as transnacionais (Aracruz Celulose, hoje chamada Fíbria).

Adamante . . .

William Berger

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